terça-feira, 23 de novembro de 2010

O BÉRCIO

Como meu nome não é lá muito comum, não acho estranho quando entendem e/ou escrevem Tércio, Dércio, Ércio ou coisa parecida. E já me acostumei a explicar que é “com P de papai”.

Semanas atrás, porém, ao entregar um sapato para conserto, Ari, o sapateiro, meu velho conhecido mas que ainda não aprendeu direito meu nome, escreveu, na nota de conserto, “Bércio”.

Considerando o que disse acima, isso não deveria causar estranheza. E não causou mesmo. Mas, trouxe um enorme sentimento de saudade, porque a única pessoa neste vasto mundo que me chamava – sempre – de Bércio era o Joaquim, o popular Joaquim Papagaio, dos meus tempos de guri lá em Lagoa Vermelha.

O Joaquim que até hoje não sei direito de onde veio, de quem era filho e por que morava com nossa família. O Joaquim que dizia se chamar Joaquim Palhano da Rosa, que era tratado como empregado da casa, mas que nunca abriu mão de sua independência. Que não abria mão também do direito de andar com uma faca na cintura por toda a cidade, de tocar seu violão quando lhe desse vontade, de xingar quem o xingasse e de brigar com sua mulher, que não morava com ele mas a quem ele sempre acabava dando algum dinheiro quando ela o ia procurar.

Lamento não ter conhecido melhor esse homem e carrego sempre comigo a desagradável sensação de que não o tratamos com o respeito que ele merecia.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

QUEM É MESMO O PALHAÇO?


O palhaço Tiririca, como todos os brasileiros sabem, foi eleito deputado federal nas últimas eleições. Obteve exatamente 1.348.295 votos, tornando-se o segundo deputado mais votado na história do Estado de São Paulo. Mais: como existe o tal do quociente eleitoral, ele não só se elegeu como conseguiu eleger mais três deputados, entre eles nomes muito conhecidos no cenário político brasileiro, mas que não conseguiriam se eleger com apenas seus próprios votos.

Acontece que, depois das eleições, levantou-se a suspeita de que Tiririca seria analfabeto e, por isso, inelegível. Iniciadas as investigações, descobriu-se que a declaração que ele entregou afirmando saber ler e escrever havia sido escrita por outra pessoa, o que configura crime de falsidade ideológica.

O que deveria ter feito a Justiça ? Obviamente, processado Tiririca e talvez também seu partido, o Partido da República. Acontece que estamos no Brasil, lembram ? E aqui essas coisas andam devagar, muito devagar. E a Justiça deu um prazo a Tiririca para que ele provasse que sabia ler e escrever.

Espera aí ! Como assim ? Um prazo para provar que sabe ler e escrever ? Que história é essa ? Ou o cara sabe ler e escrever ou não sabe ! Isso se prova na hora, não é preciso um prazo. Portanto, vamos pôr as coisas nos seus devidos termos: o que a Justiça, muito boazinha, fez foi dar a Tiririca um prazo para que ele aprendesse a ler e escrever, isso sim, não para mostrar que já sabia !

Bem, o prazo passou e... Foi prorrogado ! Após a prorrogação, Tiririca foi então chamado a fazer um teste e aí o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo concluiu que ele é alfabetizado.

Acontece que um promotor chato, Maurício Antônio Lopes, não concordou, pois o novo deputado acertara menos de 30% do ditado a que foi submetido. Protesto em vão ! O TRE manteve sua decisão e vai diplomar Tiririca ! Alguém sabe me explicar isso ? Quem consegue aprovação em um concurso público, seja lá para o que for, com nota 3 ?

Mas, para mim não foi surpresa nem o fracasso no teste nem a decisão judicial. Ana Maria Braga, em seu programa Mais Você, fez um teste com um adulto analfabeto, que teve o mesmo prazo que Tiririca para aprender a ler e escrever com uma professora especializada em alfabetização de adultos. Apesar de se esforçar, ele não conseguiu.

Também não foi surpresa para mim a decisão da Justiça, só que para isso tenho duas explicações. Sendo bonzinho como foi a Justiça, eu diria que eles decidiram diplomar Tiririca preocupados em preservar a imagem do Brasil. Vejam só: nosso país é reconhecido no mundo inteiro como um exemplo de eficiência na organização de eleições. Em nenhum outro país se consegue apurar o resultado de tantas urnas em tão pouco tempo, anunciando os vencedores poucas horas depois de encerrada a votação. Até os Estados Unidos já mandaram gente aqui para aprender conosco. Então, ia pegar muito mal a notícia de que um sistema eleitoral tão eficiente e moderno deixou passar a inscrição de um candidato analfabeto. Além, disso, nossa reputação já havia sido tisnada este ano pelo decisão do STF impedindo eleitores de votarem, apenas com o título de eleitor. O Brasil virou motivo de piada porque exige título de eleitor de quem vai tirar passaporte ou se inscrever em concurso público, mas não de quem comparece para votar ! Depois dessa decisão, que nos jogou no ridículo, cassar um recém-eleito por descobrir que ele é analfabeto seria demais !

Bem, essa, como eu disse, é minha versão de brasileiro bonzinho como é nossa Justiça Eleitoral. A versão de brasileiro menos condescendente é outra: os senhores juízes da Tribunal Regional Eleitoral viram que cassar o Tiririca ia dar uma mão-de-obra tremenda... Cancelar seus votos eliminaria não apenas ele, mas também os outros deputados que ele ajudou a eleger. Ia ser uma complicação danada, ia gerar protestos, os eleitos têm que ser diplomados dia 17 de dezembro e, portanto, não ia ser bom pra ninguém. Eu li, é verdade, que caso a eleição de Tiririca não fosse validada, os votos dele continuariam sendo válidos. Mas, aí vou precisar de novo da ajuda dos universitários para entender ! Como assim ? Mais de um milhão de pessoas votam em um candidato, ele não pode ser empossado, mas os votos são válidos para eleger outros candidatos ? Estão brincando de eleição....

A história do Palhaço Tiririca me parece mesmo um grande palhaçada. Só que são muitos os palhaços e entre eles não se deve incluir o próprio Tiririca. A palhaçada começou com o Partido da República, ao escolher um analfabeto como candidato, simplesmente por saber que seria um bom “puxador de votos”. Senti cheiro de palhaçada também no prazo que seu deu a Tiririca para provar que era alfabetizado. E o cheiro ficou muito mais forte quando acreditaram que ele sabia ler e escrever, mesmo acertando menos de 30% do ditado.

Tiririca dizia, na campanha: Pior do que está não fica. Vote em Tiririca. Pois fica, sim, Tiririca. Aliás, já ficou. Antes mesmo de você assumir, sua candidatura deixou as coisas piores, mostrando falhas que não se sabia haver no nosso sistema eleitoral.

Para terminar: se há uma palhaçada e o palhaço não é o palhaço, então o palhaço quem é ? São muitos. Eu me sinto um deles. Mas, repito, Tiririca não ! Ele está feliz, rindo dos que estão a sua volta. Ou melhor, dos que estão aos seus pés.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O JORNAL DO BRASIL E EU


Em 1968 e 1969, morei na pensão da Dª Lica, aqui em Porto Alegre, e que foi demolida para dar lugar a mais um estacionamento. Morava ali também o Renato, um estudante de Direito mais velho que eu, e que costumava ler o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro. Não lembro se eu lia o jornal dele de vez em quando, mas lembro bem que o Renato gostava muito daquela leitura e elogiava bastante o JB, em especial o Caderno B (que foi o primeiro no Brasil criado só para divulgar artes, espetáculos e cultura em geral).
Acho que comecei a ler e a admirar o Jornal do Brasil em 1971, comprando a edição dominical, em busca de emprego. Eu acabara de me formar e o mercado para geólogo no Rio Grande do Sul era muito restrito.
Acabei indo trabalhar na Bahia, onde fiquei três anos. Em 1974, recebi convite para me transferir para o Rio de Janeiro, aceitei, mas a transferência só se efetivou um ano depois. Enquanto não me mudava, saboreava já as vantagens que a vida no Rio traria: muitos passeios turísticos, mil opções culturais, proximidade de parentes, meio caminho andado para a sonhada volta ao Rio Grande do Sul e a possibilidade de ler o Jornal do Brasil todos os dias pelo mesmo preço que eu pagava pelos jornais pobrezinhos lá de Salvador. Foi assim que passei a ser seu leitor fiel. Ele já era então um dos três ou quatro mais importantes jornais do país, se não o maior, junto com O Globo, a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo.
Nunca fui assinante, mas comprava meu exemplar quase todos os dias numa mesma sinaleira, a caminho do trabalho, onde era vendido por um guri de uns 10 anos de idade. Quando finalmente voltei a Porto Alegre, em 1980, lamentei perder a facilidade que tinha de comprar o Jornal do Brasil, o preço baixo que eu pagava por ele e o encontro diário com aquele garoto. Na véspera da viagem, comprei o jornal como fazia sempre, mas lhe dei um valor equivalente, eu acho, a uns 10 exemplares pelo menos, explicando que eu estava indo embora e queria lhe dar um presente. Num primeiro momento, ele não entendeu. O senhor vai embora, é ? perguntou ele, enquanto procurava o troco. Respondi que sim, mas aí a ficha caiu e ele entendeu que eu estava lhe dando todo o dinheiro, como um presente. O sinal já estava aberto, mas deu tempo ainda de ver seu largo sorriso me agradecendo e me desejando boa viagem.
Em Porto Alegre, não comprei mais o jornal de que tanto gostava porque só umas poucas e distantes bancas o vendiam. Não fiz uma assinatura porque, por melhor que ele fosse, não substituía um jornal local e dois jornais diários é algo que eu simplesmente não tenho tempo para ler.
Em 1985, quando eu não era mais assinante do JB, pois já morava em Porto Alegre, o Jornal do Brasil lançou o Concurso Classicarinho de Desenho Infantil Amigo Índio. Era um concurso de desenho do suplemento infantil do jornal, que tinha como tema o índio.
Falei sobre o concurso aos meus filhos e os dois concordaram em participar. Fizeram seus desenhos, enviei-os à redação do jornal e no Dia da Criança, em 12 de outubro, saiu o resultado. Os trabalhos do Daniel e da Bianca estavam entre os classificados e foram reproduzidos numa edição especial do suplemento infantil .
Contei essas histórias todas porque este ano, em julho, o glorioso Jornal do Brasil, fundado no século XIX, deixou de circular... Ele continua existindo na verdade, mas apenas em versão digital, só para assinantes e só de setembro para cá. Mas, não mais nas bancas. Não mais nas mãos do Renato, que sabe lá Deus por onde anda. Não mais nas esquinas da Cidade Maravilhosa. Não mais nas mãos de um garoto de 10 anos, parado numa sinaleira do Rio de Janeiro. Que pena !