sábado, 21 de dezembro de 2013

OS BELOS E INTRIGANTES DENDRITOS



Há algumas estruturas naturais que lembram muito animais ou plantas fossilizadas, mas que têm origem inorgânica, sendo, por isso, classificadas como pseudofósseis.

            Entre esses pseudofósseis, os dendritos talvez sejam os mais notáveis, tanto pela frequência com que são encontrados quanto pelo seu aspecto.

Dendron, em grego, significa árvore. O nome – muitas vezes confundido com detrito - é muito apropriado, porque a forma dos dendritos realmente assemelha-se muito à de uma planta, arborescente, com numerosas ramificações.




          Dendritos formados sobre rochas vulcânicas 
                        da Formação Serra Geral (Rio Grande do Sul)

 Os dendritos ocorrem principalmente em fraturas de algumas rochas ou entre duas camadas sucessivas delas. Eles são particularmente abundantes nas rochas vulcânicas da Formação Serra Geral, do Rio Grande do Sul, comercialmente chamadas de basaltos, embora sejam principalmente riodacitos. Em muitos locais, essas rochas mostram-se em estratos horizontais, limitados por superfícies bem planas, o que as torna muito adequadas para uso na pavimentação de calçadas. Com isso, nas cidades do Rio Grande do Sul é fácil encontrar calçadas com belos dendritos, como os que ilustram este artigo, quase todos de calçadas de Porto Alegre ou de Capão Novo (Capão da Canoa, RS).

A água que penetra nos espaços vazios da rocha pode trazer manganês dissolvido. Quando encontra uma fenda horizontal, escoa nessa direção e, com isso, perde velocidade. Essa perda de velocidade permite que o manganês dissolvido precipite na forma de óxido. O dendrito, portanto, não se formou junto com a rocha, mas depois que ela já existia.



  Dendritos formados em ambos  os lados de um pequeno sulco  em riodacito do Rio Grande do Sul (Acervo do Museu de Geologia da CPRM)

 Apesar de seu aspecto tão delicado, ele é bastante resistente, resistindo surpreendentemente bem ao atrito dos calçados.
Outra rocha que pode mostrar dendritos são os quartzitos micáceo, aquela rocha usualmente colocada em torno das piscinas.
             Como foi dito no início, esses pseudofósseis têm origem inorgânica. Eles são minerais, principalmente óxidos de manganês. Como a pirolusita é o mais importante dos óxidos de manganês e a principal fonte desse metal, geralmente se acredita que os dendritos sejam formados por esse mineral. No entanto em pesquisa feita por Potter & Rossman em 1979, foram analisadas dendritos e películas manganesíferas procedentes de vários ambientes e nenhuma das amostras examinadas mostrou presença de pirolusita.
 Além das rochas, também alguns minerais podem mostrar dendritos, alojados em fraturas. São exemplos a opala e algumas variedades de quartzo como ágata e cristal de rocha.  A foto abaixo mostra um belo quartzo lapidado, com inclusão de dendrito, que pode ser usado para confecção de uma joia muito original. 


Dendrito em quartzo lapidado
Coleção Pércio M. Branco


Neste caso, o dendrito forma-se numa fratura ou fissura do mineral. Isso permite que ali penetrem também outras substâncias, de modo que não é fácil encontrar um dendrito tão perfeito como o que se vê na foto acima.
 A foto seguinte mostra um tipo intrigante de dendrito.  Ele é claro, num fundo escuro, dando a impressão de que houve deposição de óxido de manganês na forma de manchas contínuas (isso acontece) e depois penetração de uma substância que dissolveu esse manganês lentamente, à medida que penetrava, formando ela então os dendritos. 



Enviei fotos desse tipo de dendrito por e-mail a centenas de geólogos, perguntando como, em seu entender, havia se dado a sua formação. Recebi oito respostas, cada uma delas com uma explicação diferente das demais e diferente da minha. Outros três geólogos responderam, considerando esses dendritos claros muito interessantes, mas sem arriscar um palpite sobre o processo de formação.

Vejam as explicações aventadas, na linguagem informal em que me foram enviadas:

1.     Como mera especulação, parece que eram dendritos de minerais escuros que foram posteriormente “lavados” e redepositados ao redor dos dendritos primitivos, que ficaram assim descoloridos e rodeados por manchas escuras dos óxidos deles removidos. É apenas um chute...

2.     A formação das dendrites deu-se de maneira normal, só que houve a formação de bolhas de fluidos e a evaporação deu-se do bordo para dentro da bolha de fluido, no seu conjunto as bolhas não entraram em contacto umas com as outras! Daí o aspecto não usual!  Formaram-se bolhas com a solução aquosa, a água evaporou precipitando o manganês!

3.    Os dendrites são as agulhas escuras e não as brancas.Não levanto hipóteses baseando-me numa foto. Somente darei uma opinião com o original. Olhei mais uma vez o foto e na foto não tem diferencias entre a parte escura e clara. Assim foi simplesmente uma sugestão em cima do que é possível ver na foto. O foto não é muito nítida e tem n possibilidades.

4. Mapeando o Serra Geral no Paraná, vi dendritos deste tipo em uma ou outra pedreira. Acho que se trata de produto de cristalização a partir de líquidos com dois ou mais compostos misturados. Chutando, porque não me dei o trabalho de amostrar para fazer análises detalhadas:carbonato no dendrito propriamente dito de cor branca e óxido de Mn nas bordas. Algo assim. O que chama atenção é que o dendrito mesmo é o clarinho no centro e que a borda é mais amebóide.

5. Representam marcas (folhas samam-baias), mas devem ser marcas de outra substância que penetrou ou atacou localmente.

6.   Irei dar um chute, mas não tenho certeza se acertarei o gol ou a trave. Pode ser, também, que passe longe do gol. Vai lá. Acho que a parte negra se trata de óxidos ou hidróxidos de manganês e a parte branca, deveria ter sido de óxidos ou hidróxidos de ferro, que, por qualquer motivo químico foi removida, deixando os relictos brancos. O Mn tem outro ciclo de dissolução química.

7. Pode ser alteração hidrotermal dos plagioclásios, passando para zeólitas. Também já vi alteração de plagioclásio por escapolita, num projeto de cobre que trabalhei na área de Carajás. Mas neste último caso, o hábito é arredondado. Eu chutaria que são zeólitas. Pode ser também o próprio riodacito, num processo de digestão de um magma pelo outro.

8.   Tenho pra mim que estes “pórfiros” são de vidro natural (obsidiana) e que os “dendritos” são na verdade resultantes de um processo de devitrificação, formando possivelmente cristobalita?

Além dos dendritos, as rochas vulcânicas da Formação Serra Geral podem mostrar outra feição talvez de origem e composição semelhantes. São figuras que, em vez de formato arborescente, têm forma de curvas mais ou menos concêntricas (foto abaixo). São também formadas por óxido de manganês? Estou inclinado a achar que sim. Mas, se são, por que assumiram esta forma e não a forma de dendritos?  Terá sido porque a solução penetrou com mais velocidade? Com a palavra quem sabe mais que o quase nada que eu sei sobre o assunto.




Estas feições podem aparecer junto com dendritos (ver abaixo). Neste caso, quem se formou primeiro?  Não sei. Como eu disse, essas fotos são de lajotas de calçadas, não permitindo um exame mais acurado, com lupa por exemplo.  



 Embora os dendritos sejam geralmente óxidos de manganês, vários outros minerais podem cristalizar dessa maneira, com hábito dendritíco, como se diz em Geologia. Um deles é o ouro. A foto abaixo (autor ignorado) mostra um cristal dendrítico desse metal.



Numa mina de ouro de Jacobina (BA), obtive um fragmento de quartzo com cerca de 4 cm, contendo um dendrito de ouro na superfície.

O cobre e a prata podem também cristalizar com hábito dendrítico.

Por fim, uma advertência: assim com o dendrito é um pseudofóssil, há também pseudodendritos.  A foto a seguir mostra um cristal de quartzo incolor (cristal de rocha) lapidado contendo no interior cristais aciculares de turmalina preta (schorlita).  Em várias lojas do Rio de Janeiro vi vendedores chamar essa associação de dendrito, o que está totalmente errado.



                                     Turmalina em quartzo lapidado
                                   Coleção Pércio M. Branco


Versão ampliada de artigo originalmente escrito para o Canal Escola (www.cprm.gov.br)

Fotos: Pércio de Moraes Branco, salvo indicação em contrário.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

UM QUARTZO DIFERENTE



                  Normalmente, quando um cristal contém muitas inclusões ele é pouco ou nada transparente. As próprias inclusões impedem a livre passagem da luz, deixando o cristal opaco ou, no máximo, translúcido.
          Meu amigo Harilton Vasconcellos trouxe, porém, do Afeganistão uns cristais de quartzo muito interessantes porque são, ao mesmo tempo, muito transparentes e muito cheios de inclusões.  O que acontece é que as inclusões são grandes e de contornos bem definidos, de modo que as porções sem inclusões são muito límpidas e permitem ver os defeitos do cristal de modo bem nítido. Além disso, os cristais são euédricos, isto é, têm todas as faces (são biterminados), o que os torna ainda mais atraentes.


            Eles não são grandes, medindo em torno de 3 cm.
            As inclusões podem ser filamentos alaranjados a amarelos, manchas escuras ou, o que é muito mais interessante, cavidades contendo líquido. 


        Essas cavidades, como as demais imperfeições, são vistas com muita nitidez e, ao se mover o cristal, percebe-se claramente quando o líquido se desloca.



    Observar esses cristais de quartzo numa lupa binocular, mesmo que seja com apenas dez aumentos, é uma atividade muito prazerosa, e nela se pode ficar muito tempo, sempre descobrindo novos e interessantes detalhes. 





sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A TURMALINA PARAÍBA





            A novela Flor do Caribe tornou conhecida de milhões de brasileiros uma gema da qual pouca gente ouvira falar até então, a turmalina Paraíba. Isso não é de estranhar, porque a principal característica dessa gema é a raridade.

            Para início de conversa, a turmalina Paraíba só se tornou conhecida em 1989, quando foi descoberta na Paraíba (daí seu nome), na localidade de São José da Batalha, município de Salgadinho. Nos anos seguintes, foi descoberta também no Rio Grande do Norte (a divisa com a Paraíba fica bem perto de São José da Batalha), em dois locais do município de Parelhas.

          
              Após mais algum tempo, descobriu-se que havia turmalina Paraíba também na África, na Nigéria e em Moçambique. E só. Por enquanto, é o que se sabe em termos de ocorrência, e com um agravante: as jazidas brasileiras estão esgotadas e as africanas, até onde eu sei, também estão acabando. O que me deixa desolado; são cada vez mais remotas as chances de eu ter uma turmalina Paraíba na minha coleção de gemas...

        Existem turmalinas azuis (indicolita), verdes (verdelita), rosa, vermelhas (rubelita), incolores (acroíta) e pretas (schorlita).  Os cristais de turmalina são prismáticos ou colunares e muitas vezes mostram metade com uma cor e a outra metade com cor diferente. Outras vezes são três as cores, uma em cada ponta e uma terceira no centro do cristal. Mas, tem mais: alguns cristais são verdes externamente e vermelhos no centro (turmalina-melancia). Com toda essa profusão de cores, o que menos se esperava era a descoberta de uma turmalina de cor diferente de todas as conhecidas. Pois a turmalina Paraíba surpreendeu exatamente por isso, com uma cor azul muito diferente, que vem sendo chamada de azul elétrico, azul néon ou azul fluorescente. Pode também ser verde ou verde-azulada, mas também em matizes diferentes daquele da verdelita ou da indicolita.

        Mas, não são só a escassa distribuição geográfica e a cor inusitada que tornam essa gema rara. Contribui também para sua raridade o fato de raramente aparecer com boa transparência, tendo geralmente abundantes fissuras. Além disso, forma cristais pequenos: a grande maioria deles pesa menos de um grama e o maior cristal com qualidade gemológica encontrado até hoje tinha apenas vinte gramas.


            Com tudo isso, não é de se admirar que a turmalina Paraíba seja uma gema tão cara. Para se ter uma ideia, gemas lapidadas pesando entre 5 e 10 quilates (1 a 2 gramas), de excelente qualidade custam até 120 dólares por quilate se foram turmalinas comuns de cor rosa; até 200 dólares por quilate se forem verde a verde-azuladas; até 300 dólares se forem vermelhas e até 350 dólares se tiverem cor azul. Já as turmalinas Paraíba verde néon de mesma faixa de peso e mesma qualidade (excelente) valem até 10.000 dólares por quilate e as de cor azul-néon podem atingir 20.000 dólares o quilate. Se tiverem 10 quilates, o preço dispara para 35.000 dólares por quilate. Lembremos que são necessários cinco quilates para totalizar apenas um grama...


          Na novela Flor do Caribe, antes de descobrirem as turmalinas, Cassiano e Duque encontraram, na mina, um veio de cobre.  As jazidas brasileiras não têm esse veio, mas ele não chega a ser um absurdo geológico, já que o que dá a cor verde e azul à turmalina Paraíba é a presença de pequena porcentagem daquele metal (até 1,92%). Se houver também manganês, com pouco cobre, a turmalina Paraíba fica violeta. 

            As duas primeiras fotos são de Marcelo Lerner e estão no excelente livro Minerais e Pedras Preciosas do Brasil, dos meus amigos Andrea Bartorelli e Carlos Cornejo, onde os interessados podem encontrar informações adicionais sobre a mais valiosa turmalina brasileira.  A segunda é uma turmalina da coleção de Luiz Alberto Dias Menezes.
            A ultima foto são anéis da griffe Yael.