domingo, 7 de novembro de 2021

PRECE CRISTALINA

 

Senhor, consciente da minha fragilidade e das minhas imperfeições, me ajoelho diante de ti e te peço que me ajudes a ser um espírito melhor.

       Faze-me, Senhor, simples como o cristal de rocha, comum e barato, mas que pode surpreender por seu brilho e transparência. 

       Dá-me a modéstia da ágata, que também tem preço baixo, mas que fascina por suas cores e formas maravilhosas.

Neste mundo de provas e expiações em que estou, dá-me a elevada dureza do diamante para que não me arranhem as garras da injustiça e da iniquidade.   

Faze-me, Senhor, eu te rogo, como a esmeralda, tão admirada ainda que com tantos defeitos internos.

Se a raríssima turmalina Paraíba foi descoberta em dois estados pobres do Brasil e em dois países pobres da África, me ensina a nunca menosprezar quem vêm de regiões remotas do nosso país, do nosso continente, do nosso planeta. Ao contrário, lembra-me sempre que o atraso do lugar em que nascemos não é obstáculo intransponível ao nosso crescimento moral e intelectual.    

Dá-me, Senhor, a transparência dos mais puros cristais para que meus irmãos de caminhada percebam a sinceridade dos meus atos.

Que os milhões de anos de idade das gemas que admiro me lembrem quão infinita é minha caminhada evolutiva, através de incontáveis passagens pelo mundo físico.

Que eu lembre também que posso ter nascido uma gema valiosa, mas que cabe tão somente a mim promover minha própria lapidação, livrando-me dos meus múltiplos defeitos.

Se não posso, Pai, ser um raro cristal de ouro, que eu aceite ser um modesto cubo de pirita.

Se eu não posso ser uma valiosa pérola, que eu aceite ser a modesta madrepérola que a protege. 

Se eu não posso ser uma gema com dezenas de facetas, que eu aceite ser um modesto cabuchão.

Que eu seja capaz de atrair como a magnetita, mas somente irmãos de luz, que se aproximem para tornar-me um ser humano melhor.  

            Que eu seja, Pai, flexível como a crocidolita, mas, como ela, resistente até ao fogo.

           Se eu me mostrar frágil como as delicadas agulhas de rutilo, que teu manto protetor me envolva como um belo cristal de rocha.              

           Que eu esteja enfim, Senhor, sempre consciente de minhas falhas e limitações, mas  com a certeza de que posso me lapidar e brilhar muito, como é e sempre foi o teu desejo.

Amém.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

NÓS E AS ROCHAS

 

Todas as rochas pertencem a uma de três categorias: ígneas, metamórficas ou sedimentares.

​Rochas ígneas são aquelas primárias, as que se formam pelo resfriamento e solidificação de um magma, no interior da crosta terrestre (como o granito) ou na superfície (como o basalto). 

    Rochas metamórficas são aquelas que se formam por alterações físicas e/ou químicas de uma rocha pré-existente, principalmente por ação de pressão e calor.  Exemplos bem conhecidos são o mármore e o gnaisse.  

     Rochas sedimentares são as formadas pela desagregação, transporte, deposição e compactação de fragmentos de rochas pré-existentes, chamados sedimentos (o processo pode ser diferente, mas estas são de longe as mais importantes). Exemplo bem conhecido é o arenito, que se forma pelo transporte, deposição e compactação de areias.

    Qualquer um desses tipos de rocha pode ser transportado por uma placa tectônica e chegar a uma zona de subducção, onde mergulha rumo ao manto terrestre, e ali funde para depois ressurgir em algum lugar da crosta como nova rocha ígnea. 

Algumas semanas atrás, acordei no meio da madrugada pensando que nós somos, de certa maneira, como as rochas. No nosso nascimento, infância e juventude, somos rochas ígneas: jovens, fortes, vigorosos, cheios de energia. Somos o início de um processo que é a nossa vida na Terra. 

Na idade adulta, somos mais como rochas metamórficas, carregando  conosco as marcas das transformações que sofremos ao longo da vida. Marcas deixadas pelas pressões a que fomos submetidos, pela dor, pelo sofrimento, pelos períodos estressantes da nossa caminhada. Mas, também marcas das mudanças que fizeram de nós pessoas mais sensíveis, mais humanas, mais tolerantes e pacientes. Pessoas em resumo, melhores. Somos, portanto, nesta fase, rochas metamórficas, que exibem o registro do que vivemos ao longo desta caminhada terrena.

   Com a chegada da velhice e antes mesmo dela, o desgaste físico e emocional a que fomos submetidos começa a se manifestar. Perdemos dentes, cabelos, massa corporal, massa óssea, altura, peso. São partes de nós que vão ficando pelo caminho. É a deterioração inevitável de uma máquina maravilhosa,  mas que tem um prazo de validade, por maior que ele seja. E esses pedaços de nós que vão ficando pelo caminho (às vezes radicalmente, através de cirurgias) são como os sedimentos, o produto da erosão natural, da nossa desagregação física. Um dia, nosso corpo sucumbirá totalmente, e tudo o que dele restou também se transformará em sedimento. 

Esses nossos sedimentos começam a passar pelo lento processo que poderá transformá-los um dia em uma rocha sedimentar. Assim como os fragmentos de rocha são transportados, depositados e compactados numa bacia sedimentar, gerando uma nova rocha, nossos atos, exemplos e obras perduram após nossa morte física e constituem nossa memória, a rocha sedimentar  que mostra quem fomos, o que fizemos, as obras e ensinamentos que deixamos.

Isto é o fim? Não! Um dia, a placa tectônica da vida levará essa rocha que fomos para uma zona de subducção, onde se desmanchará no manto do mundo espiritual. Para alguns, isso é o fim da nossa estada na crosta terrestre; para outros, porém, entre os quais me incluo, é na verdade apenas um retorno. 

Os que acreditam que é não o fim de tudo, mas apenas o término de mais um ciclo, acreditam também que o magma em que nos transformamos originará um dia uma nova rocha ígnea, ressurgindo na crosta terrestre. Será então o começo de outro ciclo como rocha, ou seja, o começo de uma nova encarnação nesta nossa caminhada evolutiva sem fim. 

 

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

INTRODUÇÃO AO CONHECIMENTO DAS PEDRAS PRECIOSAS




O Atelier Cesar Cony promove o

CURSO DE INTRODUÇÃO AO CONHECIMENTO DAS PEDRAS PRECIOSAS

com um dos principais gemólogos do Brasil, Pércio de Moraes Branco (www.perciombranco.blogspot.com).

Geólogo e consultor em gemologia, Pércio é diplomado pela UFRGS, com especialização em Economia Mineral na Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro). Chefiou o projeto que elaborou o Mapa Gemológico do Estado do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, além de dirigir por 12 anos o Museu de Geologia da CPRM, onde reuniu e organizou um expressivo acervo de gemas brutas e lapidadas de vários países. Pércio ministra cursos de Gmologia e é autor do Glossário Gemológico (3 edições) e do Dicionário de Mineralogia e Gemologia (em segunda edição), entre outras publicações.

Promovido pelo Atelier Cesar Cony (www.cesarcony.com), o curso, que é para iniciantes, será desenvolvido em quatro encontros (20 e 27 out / 03 e 10 nov, das 19 h às 21 h) e abordará os seguintes tópicos:

Conceitos básicos de Gemologia.

Classificação das substâncias gemológicas.

Propriedades físicas das gemas.

Noções básicas de lapidação.

Noções básicas sobre metais preciosos.

Gemas mais importantes, naturais, orgânicas, sintéticas, tratadas e artificiais.

Você que é designer de joias, colecionador, joalheiro ou mesmo leigo no assunto, mas, de alguma maneira, sente-se tocado pelo encantamento e pela beleza das pedras preciosas, terá, neste curso,  uma rara oportunidade de mergulhar neste universo encantador!

Mais informações em em https://cutt.ly/TW73AnN  

Pércio de Moraes Branco

Accredited Jewelry Professional pelo GIA (Gemological Institute of America).

Ministra cursos de Gemologia no Brasil e no exterior (Argélia, 2012).

Autor de cinco livros técnicos, dois de história e um de memórias profissionais e com mais de duzentos artigos publicados sobre Gemologia.

Participou da equipe de revisão técnica da obra Ciência dos Minerais e do livro Minerais e Pedras Preciosas do Brasil.

Foi presidente por vários anos da Comissão Técnica de Gemas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

Consultor de Gemologia do Portal das Joias, onde publicou mais de cem artigos, entre 2003 e 2012.

Redigiu 3.431 verbetes de Gemologia, Mineralogia e Geologia para o Dicionário Houaiss.

Desde 2010, mantém o blog perciombranco.blogspot.com, onde já publicou mais de 100 artigos, principalmente sobre Mineralogia e Gemologia. 


quarta-feira, 17 de março de 2021

A SURPREENDENTE ÁGATA

               Considero a ágata surpreendente por vários motivos, mas principalmente porque é infinita sua capacidade de nos surpreender com seu arranjos de formas e cores.  Se um colecionador de minerais quiser colecionar só ágatas, ele poderá formar uma grande coleção. Se quiser manter um blog como este escrevendo apenas sobre ela, provavelmente irá conseguir, pelo menos por um bom tempo.

A ágata surpreende também por sua origem, mas, não vou falar sobre isso. Primeiro porque conheço menos sobre esse assunto do que gostaria de conhecer. Segundo porque, como disse Prashnowsky, em 1990, seu processo de formação “é um dos mais fascinantes problemas”.  Mas, se algum leitor tiver boas informações sobre o tema, por favor me mande.

      Entre as muitas variedades de quartzo, há um grupo que reúne as variedades criptocristalinas, aquelas que formam cristais invisíveis a olho nu. Estão nesse grupo o ônix, a cornalina e a ágata.

O que caracteriza esta última gema é sua formação em camadas plano-paralelas ou concêntricas que se traduzem, quando ela é serrada, em faixas de cores ou tons variados, formando desenhos muito diversificados, a ponto de se poder dizer que não há duas ágatas que sejam iguais.

Ela se forma normalmente preenchendo cavidades de rochas, principalmente nas vulcânicas, e sua forma externa traduz a forma da cavidade em que se originou.  

Os padrões de preenchimento

    Os tipos de preenchimento são outro aspecto muito diversificado dessa gema. 

    Para início de conversa, o preenchimento da cavidade da rocha pode ser total ou parcial; pode ser todo com camadas plano-paralelas, todo em camadas concêntricas ou ambos os tipos, com uma camadas concêntricas na parte externa e plano-paralelas no centro.

Vejam um exemplo de preenchimento quase 100% plano-paralelo.


 

Se o preenchimento não é total, fica um espaço vazio (às vezes mais de um), que pode conter ametista, quartzo incolor, calcita, zeólitas ou outros minerais. 

Às vezes o preenchimento começa a se dar por camadas concêntricas, mas lá pelas tantas, além de elas passarem a ser plano-paralelas, destroem parcialmente o arranjo original.

              A superfície externa da ágata é arredondada, mas ela pode ter forma muito diferente da esférica, sendo frequentemente bem alongada. E pode ser bem irregular, como a da foto a seguir.



               É normal haver ágata na arte externa do geodo e quartzo incolor na porção mais interna; mas pode acontecer o contrário e até mesmo ocorrer uma alternância de várias camadas de ágata e de quartzo incolor.           

As cores

            As ágatas do Rio Grande do Sul – o estado que mais a produz no mundo – são muitas vezes cinza a cinza-azuladas, a chamada ágata Umbu. Mas, podem ter cores quentes, como vermelho, laranja, marrom e amarelo (ágata do campo). E podem mostrar cores brancas e preta. 

              As muitas ágatas de cores rosa, verde, azul ou roxa vistas no mercado são obtidas por tingimento (mas, em Queensland, na Austrália, há uma ágata azul que é única no mundo). Como ela é porosa, quando suas cores são pouco atraentes pode ser tingida, obtendo-se assim resultados às vezes muito bons. Para isso, a ágata é imersa, depois de lapidada, em uma solução corante, onde fica por várias semanas, absorvendo o corante, que colore apenas uma porção de alguns milímetros de espessura da sua parte externa. Se o tingimento for feito aquecendo a solução, o processo se torna mais rápido, mas a cor obtida pode não ser estável.

              É importante destacar que esse tingimento, praticado desde o século XIX, não é uma fraude. É um tratamento de gema bem conhecido e que os produtores não escondem. E é tão comum, que a gema tingida tem o mesmo preço de mercado que a de cores naturais.

              Cerca de 90% das ágatas são tingidas, mas, no Rio Grande do Sul, essa porcentagem chega a apenas 40%, já que as belas cores naturais das gemas daqui dispensam o tingimento.  

              Abaixo, duas ágatas de cores naturais, procedentes do Rio Grande do Sul.




              Outro belo exemplar, este do acervo do Museu de Geologia da CPRM.

 


 

              As seguintes são peças tingidas, também do RS.



              Mas, devo lembrar que existe a lindíssima ágata-íris, que mostra as belas cores do arco-íris (foto obtida na internet, sem autoria e sem procedência da ágata).

 


 

Dimensões

              Uma maneira fácil e eficiente de exibir as cores dessa gema é cortá-la em fatias, com serra diamantada e a seguir dar-lhe polimento. Isso mostra muito bem os padrões de preenchimento e as cores. Essas chapas podem medir desde 4-5 cm de diâmetro até em torno de 1 m, estas encontradas também aqui no Rio Grande do Sul. As da foto abaixo estavam à venda, anos atrás, na Exposol, em Soledade (RS). Para ter ideia melhor do tamanho, saibam que o moço simpático da foto mede 1,80 m de altura.

 


     

 A foto a seguir mostra a maior ágata da minha coleção. Ela tem 47 x 17 cm.



 Preenchimentos exóticos

               Muitas vezes a beleza da ágata está nos arranjos exóticos que forma. Algumas são simplesmente incríveis, como as das fotos abaixo. Na primeira foto, uma das peças preferidas de minha coleção: uma chapa de ágata de 22 x 24 cm que lembra um útero e as duas trompas e que tiveram o bom gosto de tingir com cor rosa. 


Vejam que belíssimo exemplo de preenchimento bem ritmado (As três próximas fotos foram obtidas na internet, sem autoria e sem procedência da ágata).


 

 

 Uma curiosa variedade de ágata é a ágata paisagem, cujos desenhos parecem mostrar um panorama natural. Gosto muito desta, embora já tenha visto outras mais impressionantes (foto também da internet sem autoria e sem procedência).

 


 

              A ágata abaixo é incrível. O material que reveste o “pássaro” pode até ser artificial, mas o interior sem dúvida é uma ágata em forma de pássaro (Facebook, sem procedência).


 

              Esta outra pode não primar pela beleza, mas sim pela complexidade de seu preenchimento, um belo desafio a que estuda o assunto.



 E o que dizer das carinhas sorridentes deste vídeo? O geodo foi encontrado no Rio Grande do Sul e soube que está à venda por 10.000 dólares. Os olhos não são pintados, como pode parecer, mas cavidades no geodo.  (Video obtido na internet, sem autoria). 

 



Os objetos decorativos de ágata

    As chapas polidas de que falamos são boas para mostrar as cores e arranjos, mas são uma maneira muito simples de aproveitar a ágata. Ela se presta muitíssimo bem à obtenção de objetos decorativos como pirâmides, apoios para livros (úteis e bonitos, mas que aproveitam mal a gema), caixas, alianças, maçanetas, cabos de talheres, etc. uma variedade de usos cujo único limite é a criatividade de quem os faz.




 

 As ágatas poliédricas

               Em 1982, ganhei da proprietária de uma loja de joias e gemas de Porto Alegre uma intrigante chapa de ágata com limites retos, formando um triângulo.  Ela achou aquilo mera curiosidade e me deu a peça de presente.

Tempos depois, adquiri uma ágata do mesmo tipo, em forma de losango, e continuei mais intrigado do que nunca com o processo de formação daquela gema. Eu supunha, na falta de explicação melhor, que ela se formara no espaço delimitado por um conjunto de fraturas na rocha.

 


 A dúvida persistiu até eu ler artigo do Prof. Jacques Pierre Cassedane, intitulado Les agates du Sítio Garguelo – Municipe de Cachoeira dos Índios – Paraíba, publicado em 1984.  Nele, o Prof.  Cassedane analisou nada menos de oito possíveis origens, propostas por outros pesquisadores, descartando todas elas. Uma das origens preconizadas era aquela que eu imaginava, espaço vazio entre várias fraturas na rocha.

Não vou expor aqui sua teoria, mas quero dizer que ele reconhece ser uma histoire géologique compliquée e passível de ser retomada e completada no futuro.

E esta história très compliquée me acompanha há 54 anos...

CRÉDITOS: salvo informação em contrário, fotos de Pércio de Moraes Branco, de peças de sua coleção de minerais.