sexta-feira, 20 de setembro de 2019

ESTELIONATO USANDO GEMAS



Nos últimos anos, tornou-se comum no Brasil um golpe em que estelionatários oferecem um lote de esmeraldas brutas.  Eles apresentam as esmeraldas acompanhadas de um laudo de avaliação em papel  timbrado, com assinatura, carimbo, etc., dando a aparência de um documento muito confiável.  Além disso, as pedras estão em uma embalagem que permite ver o conteúdo, mas que está fechada e lacrada, o que aumenta a impressão de ser um negócio sério.

        Essas pedras são de fato esmeraldas e costumam ser oferecidas para venda, pagamento de dívida ou garantia de empréstimo.

        Se elas são realmente esmeraldas e têm um laudo de avaliação, qual é o problema?  O problema é que a avaliação é irreal, muito acima do verdadeiro valor da mercadoria. Atraída por isso, a pessoa que recebe a oferta fica muito tentada a aceitá-la. Talvez nem saiba o que fará com as esmeraldas, mas acredita poder vendê-las por valor bem abaixo do que consta no documento de avaliação e ainda assim ter um bom lucro. Ou aceita a oferta porque a proposta é um meio de receber o pagamento de uma dívida antiga da qual não vê perspectiva de quitação.

        Feita a transação, o comprador das gemas procura vendê-las e aí descobre que elas valem muito menos do que lhe fizeram crer.  Pior: o laudo de avaliação informa que se o lacre da embalagem for rompido, a avaliação ficará sem efeito e nisso o estelionatário está certo.  Quem viola o lacre pode introduzir na embalagem qualquer coisa de valor inferior e o avaliador não pode ser responsabilizado pelo que acontecer dali em diante com a mercadoria que avaliou. Se a pessoa que comprou as esmeraldas desejar, mesmo assim, nova avaliação, vai ter que pagar por ela  e ficará sabendo que as esmeraldas realmente valem muito menos do que ele pagou.

        Esse golpe, como eu disse, vem acontecendo há vários anos e já fui procurado por muitas pessoas que desejavam vender esmeraldas assim adquiridas.  Nos últimos meses, porém, os estelionatários mudaram seu modo de agir.  O golpe das esmeraldas já devia estar muito conhecido e passaram então a oferecer quartzo incolor (cristal de rocha), um mineral extremamente comum, como se fosse diamante.  Não vi ainda nenhum laudo com essa falsa identificação, mas já fui procurado por umas dez pessoas pedindo que confirmasse se as pedras que têm são realmente diamantes. Para complicar as coisas, existem na internet vários testes que se afirma serem capazes de identificar o diamante. São testes principalmente de resistência ao fogo, que não funcionam.

        Além de ter alguma semelhança com o diamante, o quartzo incolor recebe, no mercado internacional, muitas denominações comerciais ou populares em que aparece a palavra diamante. No meu Dicionário de Mineralogia e Gemologia, registro quase trinta desses nomes. Ex.: diamante Arkansas, diamante Baffa, diamante de Herkimer, diamante Quebec, etc.  Isso só contribui para facilitar as fraudes.

        Uma das pessoas que me procuraram foi um homem acompanhado da esposa, ambos aparentando muita preocupação e ansiedade. As pedras que tinham já haviam sido examinadas por outra pessoa, que disse não serem diamantes, e tinham realmente a aparência de quartzo. Eles queriam nova identificação e que ela fosse feita na hora, na frente deles. Entendi sua preocupação e concordei. Quando lhes mostrei que não eram diamantes, a mulher olhou para o marido sem dizer nada, mas deixando claro que já esperava por aquele resultado.  Eles agradeceram, o homem disse que estava sem dinheiro e sem cheques, mas que me pagaria depois.  E nunca mais voltou.

Não sei que negócio ele havia feito, mas um colega meu recebeu para identificação dez cristais de quartzo que seu cliente havia recebido como se fossem diamantes, em pagamento de um caminhão...

      Vender cristal de rocha como se fosse diamante custa menos, é um golpe mais simples, mas exige muito mais poder de convencimento.

Quem receber uma proposta como essas, deve lembrar que:

1. O Código Civil (art. 313) estabelece que “o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa". Portanto, não está obrigado a receber pedras preciosas como pagamento de divida em dinheiro, ainda que sejam de valor muito maior.

2. Nenhum mineral risca um diamante, a não ser outro diamante, mas é muito fácil quebrar essa pedra com um martelo.   

3. Se o suposto diamante for riscado por topázio, rubi ou safira, certamente não é diamante.

4. Lembrar também que o maior diamante encontrado até hoje (há mais de cem anos) pesava apenas 621 gramas. Os diamantes brutos pesam, em sua grande maioria, menos de 1,5 quilate (300 miligramas)  e a grande maioria dos diamantes lapidados  pesa menos de um quilate, ou seja, 200 miligramas. (Circula na internet uma fake news informando que foi apreendido um diamante de 2,5 toneladas!)  O tamanho da(s) pedra(s), portanto, é uma boa característica a levar em conta para saber se pode ser ou não um diamante.  

5. Na dúvida, deve-se procurar um gemólogo ou empresa que disponha de um laboratório gemológico. Isso, é claro, antes de fechar o negócio.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

BIJUTERIA DE NIÓBIO?



              Com a posse do presidente Jair Bolsonaro, o nióbio, que já era frequentemente  citado na mídia e redes sociais -  infelizmente muitas vezes envolto em notícias falsas ou apenas parcialmente verdadeiras -, está, mais do que nunca, em evidência. O presidente  está convencido de que esse metal não tem recebido a atenção que merece e que isso tem que mudar. 


             A repercussão de suas falas sobre o assunto atingiu grande intensidade quando, alguns meses atrás, ele sugeriu que o nosso nióbio fosse usado como bijuteria. O comentário, à primeira vista, estapafúrdio, principalmente para quem conhece o metal e tem pelo menos um razoável conhecimento do mercado de joias e bijuterias, não é, todavia, tão despropositado como pode parecer.

Minerais opacos e de brilho metálico são pouco usados para adorno pessoal, mas a hematita e a marcassita, por exemplo, são bem conhecidas nesse segmento da indústria.  A principal razão, porém pela qual o uso de nióbio em bijuterias é viável é que o próprio presidente o viu ser assim empregado no Japão. Ele contou inclusive ter adquirido uma peça feita com o famoso metal, mais precisamente com a liga ferro-nióbio, que é o produto que o Brasil exporta e que se vê na foto abaixo (obtida na internet, sem citação de fonte). Essa liga, formada por 66% de nióbio e 30% de ferro, sofre oxidação superficial, adquirindo cores vistosas, bem semelhantes às que exibe a calcopirita (sulfeto de ferro e cobre).

                            
Outro aspecto a considerar é que objetos de adorno pessoal são muito valorizados quando feitos com materiais raros e valiosos, mas também quando neles são empregados materiais exóticos e originais.  E o nióbio não só é um metal muito “exótico”, como também “está na moda”. 

Além disso, Bolsonaro, ao falar sobre o nióbio brasileiro, vem se referindo sempre às reservas existentes na Amazônia, região que, por sua vez,  está igualmente “na moda”.


Gosto não se discute; portanto, se alguém acha bonito usar como adorno pessoal uma peça feita com ferro-nióbio, que vá em frente. Se, além disso, apoia o governo de Jair Bolsonaro, tem aí mais uma forte  razão para fazer isso. 

sexta-feira, 28 de junho de 2019

GEMAS MILIONÃRIAS

  

    Há gemas que são vendidas por preços astronômicos, seja em leilões, seja em transações privadas.    
       Em  04.04.2017, por exemplo, o diamante rosa Pink Star, de 59,60 ct (11,92 gramas),  foi vendido em Hong Kong por US$ 71,2 milhões, o maior preço pago por uma pedra preciosa em toda a história dos leilões, pelo menos até àquela data.

Um rubi de Myanmar, chamado Rubi do Amanhecer, de 25,59 ct (5,06 gramas), foi leiloado pela Sotheby's em 12.05.2015, pela quantia de US$ 30,3 milhões, o maior valor pago por uma loja Cartier até então.  

A esmeralda abaixo, de 18 ct, foi vendida por seis milhões de dólares na Christie's.



Esse diamante em forma de coração, de 92 ct, cor D (a melhor possível) e sem qualquer impureza, chamado La Légende, foi vendido em Genebra por US$ 14,99 milhões, um “recorde mundial”, segundo a Christie’s.




O maior diamante incolor encontrado em Angola (em fevereiro de 2016), com 404 quilates e 7 cm, foi vendido por 16 milhões de dólares.
Os diamantes abaixo, conhecidos como Apollo e Artemis (irmãos gêmeos na mitologia grega), foram vendidos por um total de US$ 57 milhões, também pela Sotheby's. Adquiriu-os um comprador anônimo, que mudou seus nomes para Lembrança das Folhas do Outono" (o azul) e Sonho de Folhas de Outono.




Exemplos como esses a agente vê várias vezes por ano na mídia, com relativo destaque. 

Diante dessas aquisições, que muitos não hesitariam em tachar de absurdas, é válido perguntar: está certo pagar tanto dinheiro por uma gema?

Antes de responder, precisamos lembrar que essas compras milionárias ocorrem também com outros objetos, não apenas com joias e gemas. Há quadros de pintores famosos que atingem cifras astronômicas nos leilões. Em maio 2019, por exemplo, um Monet foi arrematado por quase 500 milhões de reais. O vestido usado por Marylin Monroe na festa em que cantou Parabéns a Você a John Kennedy foi a leilão com lance inicial equivalente a R$ 9,6 milhões. E vejam só: o saco com fecho éclair usado por Neil Armstrong para carregar as primeiras amostras de rocha trazidas da Lua foi a leilão avaliado em 4 milhões de euros.

              Mas, voltando à questão anterior: vale a pena pagar tanto por um objeto, seja ele uma gema raríssima por sua qualidade e tamanho?  O que leva uma pessoa a gastar tanto dinheiro numa transação dessas?

              É óbvio que quem faz isso tem muuuuuito dinheiro, bem mais do que eu, por exemplo. É óbvio também que pessoas assim já possuem tudo ou praticamente tudo que o dinheiro pode comprar.  Então, é lícito supor que elas, como se diz popularmente, não sabem mais o que fazer com o dinheiro.

Pode, porém, se tratar de uma pessoa que compra não apenas por ter dinheiro demais, mas sim por ter gosto refinado, sabendo avaliar a importância de uma tela famosa ou de uma joia  sem igual.  Não é, portanto, pura ostentação. Mas, mesmo neste caso, será válido pagar tanto?

      Isso tudo nos traz facilmente à lembrança outra questão: com tanta gente morrendo de fome no mundo,  não é antiético é imoral fazer isso?  Muitos responderão que ninguém sozinho poderá acabar com a fome no mundo.  Mas, convenhamos que com alguns milhões de dólares dá para ajudar um bocado de gente.

Outra questão a ser levantada: o que uma pessoa que compra uma raridade dessas faz com a preciosa aquisição?  Se for uma joia, talvez se arisque a usá-la em uma festa ou cerimônia importante,  onde se sinta segura. Em casa, não acredito que faça isso.

Sendo de outra natureza o objeto, como o saco de amostras de rochas de  Armstrong, provavelmente o rico e feliz proprietário se limite a olhar  e admirar (com frequência?) sua preciosa raridade, mostrando-a a alguns poucos e privilegiados amigos.

Quanto a mim, posso dizer que, se tivesse milhões de dólares sobrando, compraria, sim, peças raras e muito caras, sobretudo minerais no estado bruto. Mas, não para meu deleite pessoal, não para minha coleção particular, e sim para um grande, rico e belo museu acessível a todas as pessoas.

 Fotos obtidas na internet, sem registro de créditos.

quarta-feira, 13 de março de 2019

UM TRABALHO DE VINTE ANOS É CONCLUÍDO


             
Durante muito tempo, tive vontade de pôr no papel histórias vividas em meu trabalho de geólogo. A Geologia nos põe em contato com gente simples do interior mas também pode nos pôr ao lado de gente brilhante em grandes centros urbanos. Isso, aliado ao fato de haver trabalhado em vários estados do Brasil me trouxe experiências muito ricas que eu tinha vontade de compartilhar com colegas e com pessoas da minha família, que sabiam das minhas muitas viagens mas pouco sabiam do que nelas acontecia.
              Por volta de 2008, comecei finalmente a escrever essas histórias, com a intenção de um dia reuni-las em um livro. Inicialmente a ideia era contar apenas casos curiosos, engraçados, intrigantes ou trágicos vividos em trabalho de campo (principalmente na Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Amazônia). Depois, inclui histórias igualmente interessantes vividas no asfalto, em cidades como Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre e outras, menores, mas também em cidades de outros países, como Estados Unidos, Argélia (no deserto do Saara), Chile, Portugal e Itália. Por fim, decidi incluir experiências profissionais que foram importantes e muito gratificantes para mim, relacionadas com o trabalho com pedras preciosas, com o Museu de Geologia da CPRM e como colecionador de minerais, por exemplo, além de algumas viagens de geoturismo por vários países (incluindo visita a praias e vulcões do Havaí) e participação em congressos de Geologia.
          Esse trabalho teve incontáveis interrupções, algumas bastante longas, pois frequentemente aparecia alguma atividade mais importante ou que exigia atenção mais imediata. Em 2018, porém, consegui me dedicar mais a esse projeto, e em dezembro ele foi concluído. 



         O livro terminou de ser impresso dia 19 de fevereiro e ficou com 443 páginas de leitura fácil e agradável, com muitas dezenas de histórias. Seu título é AS PEDRAS DO MEU CAMINHO - Venturas e desventuras de um geólogo brasileiro.
          Os amigos que desejarem adquiri-lo (R$ 30,00 + R$ 9,00 de despesas de correio) devem fazer depósito na conta corrente 16207-8 do Banco do Brasil (001), agência 4899-2, CPF 089 670 320-72. Feito isso, remeter comprovante do depósito e endereço para remessa pelo e-mail bbjornal59@gmail.com ou por WhatsApp (51 99281-2314).  
          O livro pode ser comprado também da Oficina de Textos (ofitexto.com.br) ou na loja de minerais Talismã de Cristal, na Rua Gen. Câmara, 353, em Porto Alegre.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

O ÔNIX E O JADE

    Anos atrás, a TV Globo exibiu uma novela que tinha entre as personagens uma mulher chamada Jade. A novela (ou a personagem pelo menos) fez tanto sucesso que, a partir daí, muitos pais deram o nome de Jade a sua filha. Acontece que jade, a pedra preciosa é o jade, não a jade.  O sucesso da novela criou essa confusão e hoje muita gente se surpreende quando ouve alguém se referir ä pedra preciosa como o jade.
    Outra confusão desse tipo pode estar ocorrendo agora. A constante presença nos noticiários do ministro Onyx Lorenzoni pode estar levando muita gente a chamar outra pedra preciosa, o ônix, de onix.   
    Atenção aí, gente!

sábado, 2 de fevereiro de 2019

A FOSSILIZAÇÃO E A VALE


 Uma das primeiras coisas que se aprende ao estudar Paleontologia é que a condição primordial para que um animal ou planta fossilize é o rapido recobrimento.  Se o ser vivo morre e logo e recoberto por argila ou outro sedimento, ficando isolado do contato com o ar, não ocorre sua decomposição. Decompõem-se, sim, as partes moles, como os músculos, mas ficam preservadas as partes duras: garras, dentes e ossos. Se estas ficarem soterradas, com o tempo se tornarão parte de uma rocha sedimentar, podendo nela ficar preservadas como fósseis por muitos milhões de anos.
  Esse conhecimento fica envolto em muita tristeza quando se constata que se trata exatamente do processo que estamos presenciando em Brumadinho. Dos muitos corpos ainda não resgatados, provavelmente alguns pelo menos nunca serão encontrados. Fossilizarão e sabe-se lá quando serão descobertos. Se um dia o forem.
 Acredito que muitas pessoas que lerem isso não gostarão do que escrevi, principalmente os que têm parentes ou amigos soterrados na lama de Brumadinho. Eu as entendo e quero que saibam que pensei bastante se devia escrever esse texto.  Acabei fazendo-o porque ele nos leva a ver com dura clareza a finitude humana, mesmo eu crendo que a vida continua além da morte física.
 Já trabalhei em mina e sei da enorme importância que tëm o minério de ferro e a Vale para o Brasil. Mas ela nunca será maior que o respeito que se deve ao ser humano e, neste caso em particular, sobretudo àqueles que contribuem para que a Vale continue a ser a importante mineradora que é.