Quando
eu era estudante de Geologia, na segunda metade da década de 1960, nossa profissão
era muito pouco conhecida. Ainda é, na verdade, mas bem menos que naquela
época. Quando me perguntavam que curso eu estava fazendo e eu respondia Geologia, era muito comum o comentário Ah, e depois vai trabalhar na Petrobrás, né?
Associar a profissão de geólogo com a Petrobrás não era pura
desinformação. Nossos cursos de Geologia surgiram pela necessidade de fornecer
este tipo de técnico àquela empresa, criada quatorze anos antes de eu ingressar
na universidade.
Nunca trabalhei na Petrobrás, mas,
depois de diplomado, as confusões continuaram a acontecer: quando eu dizia que
era geólogo (muitos entendiam zoólogo), vinha o comentário: Ah! Trabalha na Petrobrás?
Na verdade, o trabalho na grande empresa brasileira de
petróleo nunca me atraiu muito, como não atraiu vários de meus colegas de turma.
A Petrobrás oferecia ótimo plano de carreira, excelente programa de treinamento
e uma remuneração atraente. Mas, ao lado dessas atrações, havia inconvenientes.
Obviamente, a gente iria trabalhar com pesquisa para
petróleo, e isso a empresa só fazia nas áreas geologicamente mais promissoras,
entre as quais não se incluía (como ainda não se inclui) o sul do Brasil. Além
disso, era um trabalho muito especializado e numa empresa que detinha monopólio
da pesquisa de petróleo no Brasil, de modo que quanto mais a gente se especializasse
trabalhando na Petrobrás, mais restrito ficava o mercado para quem dela
saísse. Pelo menos era o que eu e vários
dos meus colegas de turma pensávamos.
Além, disso, havia outro fator, menos
importante, mas presente: dizia-se - não sei se era verdade - que a Petrobrás
não gostava de geólogos gaúchos porque eles não ficavam lá muito tempo. Depois
de uns dois ou três anos, saíam.
No ano em que me formei, a empresa procurou
geólogos recém-formados para contratar e, apesar das restrições apontadas, fiz
a prova de seleção que ela exigiu (não sei bem se era concurso). As ofertas de
emprego eram escassas e eu não podia me dar o luxo de escolher muito. Por coincidência ou não, ninguém da minha
turma foi chamado e nunca fiquei sabendo do resultado da minha prova.
Apesar de nunca ter exercido
atividades profissionais na nossa empresa estatal de petróleo, ela sempre foi
importante para mim. Como brasileiro e como geólogo, não havia como ignorar sua
relevância em muitos aspectos, e tudo o que de importante com ela acontecia me
interessava, como continua interessando.
Empresas
petrolíferas ocupam lugar de destaque no mundo todo. A pesquisa e produção do
petróleo são empreendimentos muito caros e envolvem, portanto, recursos muito
grandes. Se o petróleo está no fundo do mar, o custo é bem mais elevado. E se
for no pré-sal, a profundidades muito maiores, eles sobem ainda mais. Além
disso, o risco de insucesso nesse tipo de pesquisa é também alto.
Se, apesar disso, tanto se investe nesse
setor, é porque o preço do produto compensa, e muito. Daí haver quem diga que o
melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada e o segundo
melhor negócio do mundo, uma empresa de petróleo mal administrada.
A
Petrobrás não foge à regra: opera com grandes recursos financeiros, investe
muito em desenvolvimento tecnológico e paga elevados salários, exatamente como
fazem as grandes empresas do setor com as quais é obrigada a competir,
principalmente porque já não existe o monopólio estatal de pesquisa, produção
e, na prática, também de refino que havia antes.
Numa
empresa em que tudo é grande, não é de estranhar que ela tenha lugar de
destaque na administração federal. Quando foi escolhido para presidir o país,
durante o regime militar, o que fazia o general Ernesto Geisel? Era presidente
da Petrobrás. E o ex-presidente Lula a
ela se referia, quando estava na presidência, como “aquela nação amiga”.
Cobiçando
seu controle, os políticos sempre estiveram de olho nos seus importantes cargos
de direção. Mas, até alguns anos atrás, parecia que a área técnica da empresa
ficava sempre preservada, permitindo contínuo crescimento. Infelizmente, isso
já não acontece, como tem mostrado a imprensa todos os dias.
Em
um país onde a corrupção parece estar em todos os setores da administração
pública, nossa petroleira, dona de um orçamento gigantesco como ela, se vê
envolvida em corrupção e desvio de recursos públicos de igual magnitude.
Mas,
o que se fez na compra da refinaria de Pasadena é demais até para o gigantismo
de uma Petrobrás. Metade de uma refinaria nos EUA que havia sido adquirida por
US$ 42,5 milhões foi comprada por ela, pouco depois, em 2006, por US$ 360
milhões! O que já seria um absurdo total
dobrou de tamanho: a Petrobrás, por força contratual, foi obrigada a comprar a
outra metade da refinaria, tentou fugir dessa cláusula do contrato, não conseguiu
e acabou pagando mais de US$ 1 bilhão por algo que valia US$ 42,5 milhões (ou
pouco mais, considerando investimentos que haviam sido feitos antes da compra).
Não
importa que a oposição queira explorar esse assunto na campanha presidencial
desse ano – ela certamente o fará. É preciso que isso seja muito bem
esclarecido e que os responsáveis sejam claramente indicados. E não há como
tirar a presidente da República disso. Ela conhece muito bem o setor energético.
Foi secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, em dois governos. Foi
ministra de Minas e Energia de Lula. Era presidente do Conselho de Administração
da Petrobrás na época da compra. Foi a todo-poderosa chefe da Casa Civil da
Presidência da República. E é há quatro anos presidente deste país. Não há como
dizer que “não sabia”. E, mesmo que não soubesse, teve tempo de sobra para
tomar providências. Por que não o fez?
A
compra da refinaria de Pasadena é um escândalo monumental. Mas, o pior é que não é o único problema
sério da Petrobrás nos dias atuais. Em
2010, a dívida da empresa
era de 62 bilhões de reais; terminou 2013 com 221,6 bilhões (aumento de 257%).
A autossuficiência na produção de
petróleo, anunciada por Lula, foi uma nuvem muito passageira: a produção está
estagnada, e o Brasil importa derivados de petróleo, vendendo a gasolina aqui
por preço inferior ao pago lá fora.
O congelamento do preço da gasolina
ajudou muito a aumentar a dívida da Petrobrás mencionada acima e o lucro por
ação da empresa, juntamente como seu valor de mercado, caíram 50% na
gestão Dilma Rousseff.
A Petrobrás é tão grande que talvez
em pouco tempo recupere o prestígio e o valor que tinha alguns anos atrás. Mas
não será com esta administração federal que aí está que isso vai acontecer. São
necessárias mudanças, grandes mudanças.
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