quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O PROJETO ARGÉLIA

O Brasil é um grande exportador de pedras  preciosas, mas nunca se ouve falar que nosso país tenha exportado tecnologia nessa área. Em julho deste ano, porém, foi concluído um bem sucedido projeto de transferência de tecnologia do Brasil para a Argélia, do qual tive a satisfação de participar.
 No início da década de 1980, o governo argelino decidiu promover o aproveitamento das suas pedras preciosas e buscou cooperação técnica de países com experiência no ramo. Vários governos foram consultados e todos pediram alguma contrapartida na forma, por exemplo, de importação de bens ou de serviços. O Brasil foi o único que se dispôs a dar o treinamento desejado sem nada pedir em troca, pois estava em vigor uma política de aproximação com os países africanos.
 Já no ano seguinte, firmou-se um "acordo de cooperação científica, tecnológica e técnica, para transferência de conhecimento para produção de gemas lapidadas, joias e artesanato mineral". O projeto, porém, demorou a iniciar e só em 2010 começou a sair do papel.   
 O Brasil forneceu os técnicos; os argelinos, os equipamentos e espaço físico para as aulas, além de hospedagem e alimentação dos professores, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), as passagens aéreas. A execução do projeto ficou com a Associação Brasileira dos Pequenos e Médios Produtores de Gemas, Joias e Similares, Mineradores e Garimpeiros (Abragem), de Brasília, e sua condução, com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC).
 O projeto ofereceu treinamento em Gemologia, lapidação facetada, artesanato mineral, ourivesaria artesanal, design de joias e criação de uma cooperativa mineral.

 Em abril de 2010, fui convidado a dar o treinamento em Gemologia e no mês seguinte viajei a Tamanrasset, a sede do projeto, cidade situada a 2.000 km da capital (Argel), em pleno deserto do Saara. Na mesma viagem, estavam o coordenador brasileiro do Projeto, o embaixador brasileiro na Argélia e alguns dos professores. Em Tamanrasset, foi então solenemente inaugurada a escola do projeto, mas mais três anos se passaram até seu início efetivo. 

                            Almoço após a inauguração da escola.

 Decidiu-se que o primeiro curso seria o de Gemologia, e para isso embarquei novamente para a Argélia no dia 12.11.2013. Meu curso lá foi dividido em duas partes, "Introdução ao Conhecimento das Pedras Preciosas" e "Identificação de Gemas Lapidadas, com duração total de treze dias.
 Um dos alunos era professor e já tinha livros publicados. Um dia, criou-se entre nós um certo mal-estar porque divergimos com relação ao processo de formação da pérola. Mas, para minha surpresa, no último dia do curso ele me pediu que redigisse o prefácio de sua nova obra, "L’Art de Transformer les Métaux Nobres en Bijoux et Pieces d’Art". 

                                                  Meus alunos

 O curso teve outros momentos marcantes. Um foi quando um aluno que raramente falava, após ficar alguns minutos ao microscópio olhando inclusões de uma gema lapidada, afastou os olhos do aparelho e exclamou, em francês, falando consigo mesmo: "Quantas maravilhas Alá colocou no mundo para nós!"
 Outro aconteceu durante as primeiras aulas. Ao falar sobre o diamante nos meus cursos, costumo mostrar uma foto de uma linda mulher usando um biquíni totalmente revestido com aquela gema. É apenas uma curiosidade para mostrar um uso exótico daquela pedra preciosa. Na Argélia, fiquei em dúvida se mostrava ou não a foto, considerando que os costumes lá são bastante diferentes e que as mulheres argelinas mostram quase nada do corpo. Como seria uma simples curiosidade e exibida por apenas alguns segundos, resolvi deixar.
 Os alunos haviam me pedido autorização para copiar minha apresentação em seus pen drives. Por isso, não estranhei muito quando, minutos antes de retomar a aula sobre diamantes, um dos alunos mais jovens foi mexer no data show, sem nada me falar. Recomecei a aula e quando projetei a foto da mulher de biquíni apareceu apenas o biquíni, em sua posição real. O aluno removera da foto todo o corpo da mulher.
 Entendi que havia ferido a suscetibilidade daquele jovem e pedi desculpas a todos, mas vários deles me disseram para não dar importância ao fato, pois aquilo era o sentimento daquele aluno apenas.

 

                             
                                               O Saara
   

 Um aspecto positivo do Projeto envolveu as mulheres. A tradição argelina não vê com bons olhos mulheres trabalhando com metal, e o curso de Gemologia só teve homens inscritos. Mas, nas demais atividades o Projeto Argélia mudou um pouco essa tradição.
 Outra mudança foi introduzida pelo treinamento em cooperativismo. A Argélia não tinha, até então, nenhuma cooperativa nos moldes como nós conhecemos, apenas, minicooperativas familiares. O Projeto levou conhecimentos sobre essa modalidade de produção e, com isso, acabou sendo criada  a primeira cooperativa do país.
 Nas duas viagens, conheci praticamente nada sobre as gemas argelinas, apenas vi alguma coisa que levaram para a sede do curso. A informação que recebi foi que o governo daquele país não tem interesse em divulgar essas informações, mas parece que há uma significativa variedade de pedras preciosas na região sul do país.  


 

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