sábado, 5 de maio de 2018

PSEUDOFÓSSEIS NO ARENITO BOTUCATU


              Uma rocha muito comum no sul do Brasil e muito usada na construção civil é aquela chamada no comércio e na indústria de pedra grés. Trata-se de um arenito, rocha formada pela deposição de areia que, com o passar do tempo, teve seus grãos compactados e unidos por um cimento natural, formando a rocha que hoje usamos.
              Esse arenito foi estudado e descrito a primeira vez na região de Botucatu, em São Paulo, e por isso é chamado pelos geólogos de Formação Botucatu ou, mais especificamente, Arenito Botucatu.
              Como dissemos, a formação dessa rocha começou com a deposição de areia.  Esse processo se deu em um ambiente tipicamente desértico - arenoso, árido, quente e com raros seres vivos.  Por isso, não é rocha em que se espere encontrar fósseis. Apesar disso, algumas décadas atrás, uma grande pedreira da região metropolitana de Porto Alegre, de donde se extraiam lajotas e blocos de arenito Botucatu, foi interditada porque alguém informou às autoridades que aquela atividade estava destruindo grande quantidade de fósseis de plantas. 



                Algumas dessas posíveis folhas eram enormes, como mostra a foto abaixo, que me foi gentilmente enviada por minha colega geóloga Andréa Sander.




                O assunto mereceu reportagens no jornal Zero Hora e se estabeleceu uma polêmica no meio geológico.  O tipo de rocha portadora dos possíveis fósseis não era favorável à existência deles, mas as feições tinham muito jeito de folhas fossilizadas. A polêmica foi maior ainda porque a interdição da pedreira cortou a fonte de renda de várias famílias que dela dependiam.
              Eu estava no grupo dos que tinham dúvida:  fósseis no Arenito Botucatu era novidade, mas aquelas feições nele encontradas eram intrigantes. As fotos acima mostram o que alguns julgavam ser fósseis, mas não mostram uma feição que vi mais de uma vez e que me deixava particularmente intrigado. Ela tinha forma de flor, mostrando possíveis pétalas ou algo semelhante, com disposição radial.  É uma figura parecida com a que se vê no lado direito da primeira foto, mas com uma aparência de flor mais definida
              Um dia, ao chegar ao trabalho, após o almoço, vi que uma planta, igual à da foto abaixo,  existente no estacionamento da empresa em que eu trabalhava, projetava, ao sol do meio-dia, uma sombra muito semelhante àquelas feições em forma de flor. Aquilo me deixou surpreso e mais intrigado. Uma planta daquelas comprimida verticalmente pela deposição da areia poderia muito bem deixar uma impressão daquele tipo se a areia viesse a se tornar um arenito.



                Contrários à crença de que seriam fósseis estavam alguns geólogos que conheciam o assunto melhor que eu e que afirmavam ser aquilo consequência da dissolução de cristais de gipsita (sulfato de cálcio hidratado).  A gipsita se forma facilmente em ambiente desértico (um exemplo são as belas rosas-do-deserto), e é bastante solúvel em água. Assim, embora as chuvas fossem raras no Deserto de Botucatu, podiam ocorrer e então dissolver os cristais de sulfato, deixando as tais figuras.
              A polêmica continuou, outras reportagens foram publicadas, mas a pedreira foi reaberta, pois prevaleceu a explicação que atribuía o fenômeno aos cristais de gipsita. Tratava-se, portanto, de pseudofósseis, como os dendritos existentes nos basaltos, que já descrevi neste blog.

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